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segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

ENTREVISTA COM O CANTOR E COMPOSITOR CLÁUDIO NUCCI

V-Newton Daltro - Nov. 2008


Após exatas duas décadas, o cantor e compositor Cláudio Nucci retorna à Araras para mais um show. Desnecessário dizer, mas Cláudio foi integrante do famoso quarteto vocal Boca Livre, junto do qual gravou o 1º LP, que é considerado um “100 mais importantes produtos em vinil da indústria fonográfica brasileira de todos os tempos”, além do que é considerado também “o disco independente que mais exemplares vendeu até então”.

Há 20 anos, o show foi no extinto Bar Academia, do Nê Morandini, casa lotada, e me recordo que foi um show excelente. Particularmente, um senão neste dia é que os amigos que iriam ao show comigo deram mancada, e eu acabei comprando uma mesa sozinho, o que equivalia a pagar 4 ingressos... Guardei os 3 restantes, e um deles foi dado ao Cláudio como lembrança nesta sua volta a Araras.

O “show do retorno”, desta vez ocorreu no Aero Música Bar, que fica no Aeroclube de Araras, do amigo e músico Xandão – um dos maiores, senão o maior, produtor de eventos músicais de MPB em Araras. Aliás, não foi propriamente um show do Cláudio, mas sim em evento musical com diversos músicos locais, o 6º Encontro da MPB em Araras, que acontece todo ano em Araras, à cargo do batalhador incansável que é o Xandão. Este show foi no mesmo nível do Bar Academia, impecável, mas com novidades: foi um show muito humorado também. Aliás, Xandão, fez percussão para o Cláudio em algumas músicas.

Com todas as pessoas que conversei, a opinião era uma só: “Um grande show!” E quem não conhecia muito bem a carreira-solo do ex-integrante do Boca Livre, se surpreendeu e vibrou com as músicas, seu pique e seu carisma, além de muito seguro no violão e cantando melhor ainda, com aquela voz que o Daniel Piza, o renomado colunista do Estadão (Caderno 2, página 2) afirmou ser uma das mais belas vozes masculinas do Brasil, colocação a que a maioria dos críticos musicais fazem coro.

As perguntas abaixo foram elaboradas por mim, e o Cláudio respondeu a todas com clareza, relembrando muito detalhes e episódios de sua vida, bem como algumas passagens de sua trajetória musical que o fez um dos mais importantes artistas da história da Música Brasileira, criador de sucessos como “Sapato Velho”, “Toada”, “Quero Quero” “Acontecência”, “Amor Aventureiro”, “Pelo Sim, Pelo Não”, “Meu Silêncio”, dentre outras pérolas.

1- Cláudio, é a segunda vez que você se apresenta em Araras. A primeira, há 20 anos atrás, foi em 26 e 27 de agosto de 1987 (foto abaixo). Quais lembranças você guarda daquelas apresentações no hoje extinto Bar Academia do Nê Morandini?

R: Rapaz, você como coletor de dados, histórias, fatos e afins, deve ter muito mais memória que eu daquela época. Coisa de historiador... Já eu, não tenho assim esse banco de dados factual, mas tenho uma memória afetiva e aí, claro, tem coisas que ficam...o que sei é que o público ararense é muito acolhedor e gosta da música que faço. Fico muito feliz em retornar por aqui.

2- Você, apesar de ser um exímio compositor de, digamos assim, música MPB de alto escalão (e o primeiro disco está recheado de pérolas do gênero, como “Gosto de mim”, “Valsa dos casais” ,”Santo protetor” e a liríssima “Vontade de viver”), me parece que sua tendência ao estilo regional é mais acentuada. Você concorda com isto?

R: Eu tenho uma vivência muito rica em influências, porque nasci e me criei no interior paulista e ouvi muita moda de viola e um monte de outros tesouros da música regional, mas me mudei para o Rio de Janeiro ainda em 1971 e isso me impregnou das coisas que o litoral e a cidade grande têm pra oferecer. Portanto, nesse misto de acentos dessa coisa caipira-caiçara-rural-urbana, eu publiquei alguns discos bem diferentes entre si e tenho ainda muita coisa inédita. Mas no show que fiz aqui em Araras, devo confessar que foi inevitável minha atração pela proximidade com o ambiente da minha infância, daí eu ter enfocado mais meu lado regional, com as parcerias com Cacaso, Juca Filho e Murilo Antunes, por exemplo.

3- Você, o Chico Buarque e o Guinga, acredito eu, parecem ser dos raros compositores brasileiros que ainda compõem valsas. Você, p. ex. tem valsas belíssimas como “Quero-quero”, “Valsa dos casais”, “Nossos caminhos” e “Vontade de viver”. Você poderia comentar esta característica tua?

R: Tem muita gente boa no Brasil que compõe valsas...Eu tive o privilégio de ouvir muitas na infância, ou com meus avós tocando violino em dueto, ou com meu outro avô cantando pra mim coisas de Pixinguinha e compositores “valseiros”. Tenho ainda uma boa disse de lirismo e por isso aprecio o gênero, a valsa flui naturalmente pra mim.

4- Cláudio, você e o Juca Filho tem belíssimas canções em parceria, como, p. ex., “Acontecência” – clássica do estilo regional –, a já citada “Nosso Caminhos” e “Luz do dia”. O que é feito do grande compositor que é o Juca? Ambos ainda tem parcerias?

R: O Juca e eu compusemos uma música recentemente e temos ainda algumas coisas inéditas, que vão ser publicadas oportunamente. Ele continua escrevendo, mas roteiros, para a TV Globo. Já esteve em equipes de redação do “Sai de Baixo”, “A Grande Família” e agora, “Toma Lá, Dá Cá”.

5- Por que logo a belíssima “Quero-quero” – seu primeiro sucesso na carreira solo –, não entrou no primeiro disco?

R: Realmente, foi um erro. Eu deveria tê-la incluído. Na época, acho que a gravadora tinha até sugerido, mas eu bobeei, não coloquei no LP e assumo a falha.

6- Sou da opinião que “Meu silêncio” é uma música superior à “Canção da América” do Milton, tanto no teor da letra, na intenção, quanto harmonicamente. Sua gravação com a Nana Caymmi é clássica (veja o vídeo clicando aqui). De onde veio a inspiração pra você e o Luiz Fernando Gonçalves comporem uma música tão tocante e bela como esta?

R: Eu morava em Ipanema em 1976 e peguei um ônibus para o Leblon, a fim de gravar uma canção nova que tinha surgido, no gravador do Luiz Fernando (naquela época, eu nem telefonava pra ir lá, simplesmente aparecia). No caminho, veio outra melodia nova e, à medida em que eu chagava perto da casa do Luiz Fernando, ela ia ficando mais clara na minha cabeça. Luiz Fernando me atendeu com uma cara meio estranha e pediu para que eu deixasse gravado na sala, se recolheu pra dentro e não mais apareceu. Passei a música com acompanhamento para o violão, gravei essa melodia primeiro e depois a outra, aquela que já estava pronta e fui-me embora. Dois dias depois, ele me ligou, pedindo que fosse à sua casa. Chegando lá, ele me mostrou a letra de “Meu Silêncio” pronta, explicando que naquele dia, tinha reencontrado um amigo e que os dois falaram muito sobre um outro, inseparável (Luiz Antônio) aí ele ligou para ele, mas ele tinha morrido fazia uma semana. Daí ele ter ficado meio estranho naquele dia.

7- Você poderia comentar a hábil construção harmônica da música “Asas a voar”, que passa a impressão de que a empolgação vai crescendo a cada estrofe quando sobe o tom, bem como o curioso desfecho em que o trecho inicial de cada estrofe vai sendo somado.

R: Falar sobre música pra mim, é bem mais difícil que fazer...mas arquitetura dessa composição é bem interessante mesmo. Um baiãozinho leve que vai modulando sucessivamente, até desembocar numa situação harmônica meio “beco sem saída” e aí a solução veio naturalmente, pelo “puxar do fio” da idéia. Quando a gente presta atenção na música, ela ensina pra gente direitinho pra onde ir.

8- Duas perguntas numa: você trabalhou com excelente letristas de porte como Cacaso, Paulo César Pinheiro, Murilo Antunes e Ronaldo Bastos, mas a parceria com teu sogro – o Luiz Fernando Gonçalves – parece ser a melhor pois rendeu belíssimas músicas. Seria uma afinidade eletiva? Frustrado, Cláudio, por não ter conseguido uma parceria com o poeta Mário Quintana?

R: Eu tenho o privilégio de compor com muitos excelentes parceiros letristas e músicos também: Além desses autores que você citou, também tem parceiros que impulsionaram minha carreira em momentos-chave como Juca Filho (“Acontecência”, “Toada”), Mauro Assumpção (“Quero Quero”) e Paulinho Tapajós (“Sapato Velho”), sem falar nos parceiros das melodias Zé Renato e Mu Carvalho, mas sem dúvida o parceiro que acendeu a chama de compositor, aquele que primeiro “vestiu” de palavras as minhas melodias e revelou o conteúdo lírico embutido nelas, é o Luiz Fernando Gonçalves. Somos parceiros desde 1976 e ele se tornou meu sogro apenas nesse século XXI, não se trata de “nepotismo” mas de justiça. Quanto ao Mário Quintana, eu fiz duas músicas pra poemas dele, ainda inéditas. “Canção da Primavera” e “Ciranda do Meio do Mundo”.

9- A flauta, me parece, nunca mais foi a mesma na MPB depois do surgimento do Boca Livre. Penso que ninguém a usou do mesmo modo que a banda, chegando mesmo até a parecer uma instrumento indispensável nos discos do grupo. Penso eu que, nos arranjos, ela tornou as músicas mais sutis, virginais – femininas, diria até –, e assim, a rústica música regional paulista, mineira e nordestina, também a folclórica, se tornaram mais sofisticada pelas mãos de vocês. Um ótimo exemplo é canção “Atravessando a cidade”, onde ela dá o tom predominante no arranjo reforçando o clima de sonho de amanhecer numa aldeia. Já “Casa de João de Rosa”, do Chico Buarque e do Edu Lobo, com aquelas flautas é também um arranjo típico Boca Livre.

R: Quando comecei profissionalmente em 76, Zé Luís Oliveira tocou flauta comigo. Depois em 77 fundamos a banda “Semente”, com o Zé Luís e mais um flautista “da pesada”, o Márcio Resende. Existiu na época outro grupo, o “Cantares”, com o excelente Marcelo Bernardes, na flauta. No LP de estréia do Boca Livre, tem uma faixa (“Diana”) com três solos de flautistas diferentes: Danilo Caymmi, Paulo Guimarães e Zé Carlos Bigorna. Como pode ver, a flauta é um fenômeno e virou “moda”. O Ritchie tocava flauta na “Barca do Sol”, o Tom Jobim tocava flauta nos seus discos e isso pegou em todos os segmentos da música.

10- O que é feito de canções tuas jamais gravadas por você e muito elogiadas por quem as ouviu como “Bailarinos de Porcelana”, com o Luiz Fernando Gonçalves; “Parceira”, com Juca Filho; “Dia do juízo”, com Cacaso; “Delírios de Orfeu”, com a Joyce; “Uns entre uns”, com Abel Silva; “Desafinada”, com Mário Adnet; “Caçada Humana”, com o Aldir Blanc; “Todas as palavras”, com Vander de Castro, etc. Todas não renderiam um novo e excelente disco?

R: Estão “hibernadas” ainda, mas eu tenho o dever de publicá-las. São composições muito importantes realmente, mas não estiveram em nenhum produto porque não criei projeto para que se contextualizassem. Fico devendo isso o mais rápido possível e talvez essa característica de “hibernadas” as possa colocar juntas sim!

11- E músicas como “Olhos de selva” e “Assovio” do Cantares, bem como “Um pequeno caminhão”, “Canoa branca” e “A voz dessa canção”, todas em parceria com Juca Filho e Zé Renato, além de duas outras gravadas pela nana Caymmi: “Você que me ouve” e “Asas nos olhos” – todas não são boas canções a ponto de merecerem também uma releitura sua? Há ainda outras duas canções belíssimas como o tema de “Helena” da TV Manchete e a terníssima “Boungavilles” de “O direito de amar” da TV Globo.

R: Sem dúvida, merecem releituras. Como disse, vou cuidar disso com carinho o mais breve possível. Como disse o Antônio Cícero em seu livro, uma obra na gaveta é uma obra que não existe, já uma obra bem guardada é uma obra publicada da melhor forma possível.

12- O trabalho da efêmera banda Zil que rendeu um disco. Porque uma guinada assim na carreira, já que esta banda foi considerada quase como uma banda instrumental misturava jazz e rock progressivo?

R: Com a Zil eu retomei caminhos instrumentais que havia abandonado na época do Semente. Não chegou a ser rock progressivo, mas uma “fusion” instru-vocal de muita qualidade. Foi efêmera sim, porque todos tinham muitos compromissos, além de dois morarem fora do Brasil.

13- Tem-se dificuldades em descolar partituras e cifras de tuas músicas. Há probabilidade de um songbook teu, ou, no mínimo, sua disponibilização em tua homepage?

R: Um songbook sim. A publicação no website ainda não está na prioridade, mas é uma possibilidade futura.

14- E a tua volta ao Boca Livre entre 1999 e 2004 – foi uma “recaída”?

R: Sim, uma “recaída” sim, mas não deixou de ser interessante...Fui convidado para “apagar um incêndio”, já que o quarteto estava numa baita crise de convivência e falta de perspectiva, quando reingressei nele, em final de 1999. Não conseguimos produzir nada por nós mesmos, apenas atender a projetos de outros, como o CD que gravamos com a Joyce para o Instituto Escola Brasil, o DVD “Nossos Cantos”, com vários artistas e o premiado CD de Ruben Blades, “Mundo”, que nos rendeu também uma excursão com shows pelos Estados Unidos.

15- Se assim posso dizer, o estilo vocal Cláudio Nucci e Zé Renato fez escola. O excelente cantor e compositor Renato Motha, bem como a cantora Lucila Novaes, p. ex., ao meu ver, são cria de vocês. Conhece-os? Poderia comentar isto?

R: Existem “Tribos” de cantores que se identificam entre si. O Brasil está cheio de talentos e todos somos cria da excelente qualidade da música brasileira. Assim como na genética, os produtos de várias influências são riquíssimos, quanto mais influências melhor e eu me sinto feliz por contribuir com alguma coisa, nesse mosaico cheio de matizes e traços tão distintos.

16- Quais os projetos futuros?

R: Bem, você já me deu uma boa idéia, que é compilar as “hibernadas”, tem também um outro projeto mais urbano e carioca, em cima das estéticas da bossa e do samba, terreno em que me sinto também à vontade. Um DVD é preciso hoje em dia, pra preencher a expectativa do público que procura cada vez mais o produto audiovisual.

17- Para findar a entrevista, Cláudio, você poderia me saciar uma curiosidade: o Beto Guedes colocou uma fruta de pequi num canto da capa de alguns discos seus – certamente, um ícone de mineiridade. Por que a goiaba cortada na capa do segundo disco? Goiaba é fruta onipresente no interior paulista, fruta de beira de estrada mesmo.

R: Exatamente! Meu avós paternos moraram há muito tempo na rua Prudente de Moraes 1500, em Jundiaí, e lá no quintal tinha uma goiabeira que eu considerava “minha”, vivia pendurado nela à toa, ou comendo suas deliciosas goiabas. O Jô Oliveira e o Locca Faria, que fizeram o projeto gráfico de “Volta e Vai”, sugeriram que eu colocasse uma fruta significativa como símbolo, na capa.

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FOTOS DO SHOW NO AERO BAR



















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Entrevistador e entrevistado

V-Newton e Cláudio Nucci,

Aero Bar, Araras, 29-11-2008








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