segunda-feira, 17 de setembro de 2012

RECEITA SIMPLES e INFALÍVEL PARA SE FAZER CIRCULOS INGLESES!!!

"São esses círculos nas plantações - eles não
são uma farsa e não se pode fraudá-los. Mas que
são, eles, ninguém até hoje foi capaz de explicar."
(Aleksei Arkhipovich Leonov, cosmonauta
soviético, o primeiro homem a "caminhar"
no espaço. UFO, nº 230, jan. 2016, pág. 44)

                                                                                                    

Imagine um desenho qualquer que ficaria bonito visto do alto, e desenho bem complexo de preferência - quanto mais complicado geometricamente, melhor. Se o terreno e a plantação onde será feito o trabalho forem teus, ótimo; do contrário, escolha uma área bem plana e de difícil acesso, e é bom escolher uma em que o proprietário não more perto. Depois, num computador, obtenha um mapa aéreo do terreno e sobreponha num programa gráfico, o desenho sobre a plantação. Em seguida, coloque todas as coordenadas necessárias para se transferir o desenho in loco.

A equipe que fará o trabalho deverá ser composta por pessoas que não fazem nada da vida, não curtem dormir de noite, e se forem velhinhos melhor, mas velhinhos com muita inteligência, talento artístico, energia e visão aguçada (lembre-se que, tempos atrás, dois velhinhos ingleses se apresentaram como autores de tais desenhos). Vocês terão o prazo de mais ou menos 8 horas para fazer os desenhos, isto, cuidando para que ninguém veja - até o momento é a regra geral! Se a equipe não for composta por loucos e desocupados como você, prepare-se para descolar uma boa grana pelo pagamento dos serviços prestados.

Depois, munam-se de ferramentas manuais (as que você imagina que servirão). Poderão ser usadas trenas quilométricas, balizas, cordas imensas para se fazer círculos, vários GPS e lap-tops, e muitos teodolitos (com visão infra-vermelho). Os Círculos Ingleses já tem mais de 30 anos de existência, e surgiram numa época em que ainda não existia GPS, de modo que sua equipe usando este aparelho poderá realizar as marcações com mais rapidez e eficiência. Para se confeccionar o desenho, servirão as próprias mãos (com luvas), alfanjes, foices e facões. Lembre-se que, antes, deverá ser providenciado um caminhão cheio de estacas e rolos de barbante a serem utilizados nas marcações. Lanternas não poderão ser usadas pois poderão denunciar a presença da equipe no local (e torça para ser Lua cheia, mas já vou avisando que ela não ilumina muito!...). Leve galões de água e chá quente, pois estes lugares costumam ser frios e brumosos, e brumosos à tal ponto que você pode não enxergar nada!...

Lembre que os quatro cantos da área escolhida terão de ser monitorados constantemente, de modo que nenhuma pessoa suspeita apareça! A polícia, ou fazendeiros armados com espingardas e cão raivosos, constituirão um enorme perigo! Lembre-se também que animais selvagens, que podem ser perigosos, podem estar ocultos em meio à plantação; portanto, se previna e vá armado, por mais incômodo que seja levar uma arma à tiracolo nestas horas...
Um conselho: se puder descolar uma daquelas máquinas imensas (não me recordo se elas são invisíveis, mas devem ser) que alguém geniosamente criou (dizem...) para fazer tais desenhos gigantescos, será tudo mais fácil. Ao transportá-la até a área de trabalho, faça-o com cuidado e total segredo, pois as pessoas que porventura te verem passando com ela pela estrada, irão querer de toda maneira fotografar este estranho aparelho e saber do que se trata!... E cuidado com a polícia, pois você, logicamente, não tem permissão para trafegar com uma geringonça dessas pelas estradas vicinais e rodovias. Se o terreno for teu, as coisas serão mais fáceis, pois, logicamente, você terá um imenso galpão para escondê-la à salvo de reporteres abelhudos. Ah, esta máquina, com certeza muito cara, e se você não for rico, melhor usar as mãos e os aparelhos comuns mesmo!!!...

Mas vamos continuar a receita levando-se em conta que você não pode dispor de tal máquina. Depois de todo marcado e balizado o imenso terreno, comece o trabalhinho (simples e rápido) de manipular as plantas que resultarão na tua sonhada obra-prima. O ideal, para ficar mais fácil o trabalho e a marcação dos desenhos, seria remover as plantas, mas como se são elas que darão vida à figura?!... Mas, para você que já colheu capim para jumentos e os amarrou em fardos depois, é tudo muito fácil, não é?... Grupos de plantas terão de ser torcidos de modo que façam sombras; outras que façam brilhos ou contrastes; outras serão cortadas, umas totalmente (a maioria) e outras em tufos com altura variável; as espigas, mantidas ou ocultas, assim como a remoção das folhas, ajudarão em nuances sutis dos desenhos; a altura e a torção impostas farão com que as plantas criem sutilezas quando vistas do alto (e, convenhamos, isso é muito simples de se fazer, eu te garanto!)

 Enquanto isso, alguém ficará lá em cima no céu, no meio da noite, num aparelho aéreo qualquer flutuando e orientando a equipe por meio de rádio, e é bom que seja em completo silêncio para não despertar pessoas, vizinhos, fazendeiros, etc. Creio que pelas proporções dos desenhos (depende de tua ambição) e do tempo a ser despendido, serão necessários várias pessoas dentro do aparelho com rádios, orientando os que estão em terra, estes com seus rádios próprios também. As luzes e lanternas do tal aparelho terão de ser mantidas desligadas, de modo que ninguém note que você ou ou sua equipe estão bulindo ali, quero dizer, estragando plantações, embora fazendo maravilhas... Quanto ao problema de como as pessoas do alto enxergarão o que está
sendo feito lá embaixo sem luz alguma, fica para você resolver. Este é um ingrediente da receita que eu não tenho!... Talvez óculos infravermelhos resolvam, mas, de todo modo, fica para você resolver... A esta altura, você já deve ter imaginado os probleminhas simples que surgirão nas comunicações, bem como os desentendimentos inevitáveis... 

As orientações deverão ser precisas, e erros não poderão ser cometidos em hipótese alguma, como tombar tufos de plantas de modo errado, ou, pior ainda, cortar plantas não especificadas no projeto. Felizmente, ao que consta, ninguém errou um desenhos desses até hoje, e nenhum deles foi abandonado por qualquer erro ocorrido.

Se a polícia aparecer, abandone o trabalho imediatamente e tudo o que você levou, e se mande rapidamente dali, pois poderá arrumar uma encrenca dos diabos. 
Quanto ao tal aparelho aéreo, um balão seria muito grande e facilmente seria identificado por pessoas passando pelo local. Um helicóptero chamaria mais a atenção ainda, mas o verdadeiro problema, vale lembrar, seria a quantidade de combustível necessária para se trabalhar por horas à fio. Lembre-se que, se você for pobre, esqueça-os e faça tudo sem referências aéreas mesmo...

À esta altura, creio que algum gênio (talvez o inventor da máquina de desenhar), já tenha inventado um aparelho aéreo adequado e altamente tecnológico para tal, em suma, um aparelho silencioso e invisível, movido à energia solar, mas se você for pobre, ihhhh!...

Com todas estas dicas simples, tenho toda a certeza do mundo que, ao cabo de no mínimo 7 horas de trabalho, a equipe terá feito uma verdadeira obra-prima em meio à escuridão, obra esta, de tal precisão e complexidade, que jamais constou em qualquer bienal deste planeta! E o mais incrível ainda, tudo realizado sem que ninguém tenha visto quem são esses grandes artistas que trabalham na calada da noite, gênios incógnitos e humildes que esnobam peremptoriamente a fama, o dinheiro e o glamour das bienais!!!...



A maior glória, por outro lado, será, no mínimo, fazer as pessoas de palhaço, pessoas estas que se digladiarão para saber quem fez tal obra de arte, digo, enigma assombroso. Umas, se perderão em mil conjeturas e divagações, dirão de "conspirações de extraterrenos", de "pegadinhas de ETs" etc; outras, fotografarão, reproduzirão e lançarão seus trabalhos acadêmicos sobre tal; outras ainda levantarão mil teorias, compararão os desenhos com outros desenhos milenares, com charadas matemáticas, enigmas cabalísticos e afins. Eis tua maior glória, seu maluco genial!

Pensando bem, a Inglaterra deve estar repleta de gente assim - ricos, loucos e desocupados -, enfim, malucos de toda a sorte que gostam de investir em passatempos bizarros, ainda que os resultados sejam maravilhosos! Mas, caramba, onde se esconde essa gente? Quem são eles? Porque não se identificam e ficam famosos de uma vez?!...

E se tudo der errado em tua empreitada de fabricar Círculos Ingleses, amigo, não me venha você depois com conversinhas infames mais malucas ainda, tipo de ETs zoando com a nossa cara, abusando com a nossa boa-fé e outros achaques!!! Onde de já se viu!!!...

A RUA TIRADENTES EM ARARAS - UM DESERTO DE ÁRVORES!!!...
























Caros cidadãos ararenses, venho através deste post falar aqui de um problema de suma importância, e que passa despercebido pela maioria das pessoas: a falta de arborização nas ruas centrais de Araras. A foto ilustra perfeitamente o que é hoje a mais famosa rua do comércio central da cidade, a rua Tiradentes: uma passarela imensa onde o número de árvores nas calçadas está quase próximo do zero! O mesmo se dá com outra rua comercial, a Júlio Mesquita, e muitas outras ruas do centro. Duvidam? Pois então abram o Google Map e chequem nas fotos aéreas a gritante ausência de árvores. No trecho mais comercial da Tiradentes, compreendido entre as ruas Armando Salles de Oliveira e Chico Pinto, foram contadas apenas 10 árvores nas calçadas, num espaço que em que se alinham 10 quarteirões, sendo que a maioria deles não têm árvore alguma!

Como se sabe, desde a década de 50, quando a cidade começou a colecionar prêmios como uma das cidades que mais se desenvolve no Brasil, com a urbanização e o desenvolvimento industrial, o número de árvores, áreas verdes e quintais arborizados caiu drasticamente na zona central cidade, e esta rua é um perfeito reflexo dessa postura.

É óbvio que ninguém quer uma árvore em frente ao seu estabelecimento, porque, alegam, elas impedem a livre visualização de sua loja, de vitrines e letreiros da fachada, e até mesmo dizem que impedem o livre trânsito dos clientes. Isto para não falar do quesito "vaidade", o de exibir sua loja (e residência) sem entrave algum!... Não sou da opinião que uma pessoa sempre deva olhar para cima para procurar o estabelecimento onde irá comprar toda vez que for ali - quem visitou uma loja uma ou duas vezes, o endereço já estará mentalizado é só voltar ao lugar sem problemas. Além disso, o que mais interessa às pessoas é o que está dentro dela e não fora. Quanto ao "livre trânsito dos clientes", com certeza, há mais carros nas ruas, seja estacionados, seja de passagem, que árvores nas calçadas impedindo o "ir e vir" dos clientes. Esse trecho de rua, aliás, já devia ter sido transformado em calçadão há muito, e mais, ser intensamente arborizado, mas "motivos comerciais" insensatos impedem que isto aconteça!...

O problema é que, em dias de verão, essa "rua pelada" se torna um lugar desagradável, pois fica excessivamente quente e abafado. Mas, o que causa essa chamada "ilha de calor" nesse longo alinhamento de prédios? Como se sabe, as ilhas de calor urbanas são regiões com temperaturas mais elevadas que o normal, pelo fato der reterem calor nas edificações devido à falta de vegetação, acarretando também a problemática diminuição da umidade relativa do ar. Edificações cobertas com materiais que absorvem calor, como as telhas de amianto, comuns em grandes galpões, também aumentam sensivelmente o calor nestas áreas. Isto para não falar no trânsito intenso de carros e sua consequente poluição. O problema é tão grave que especialistas em aquecimento global chamam esses locais de "desertos artificiais". Outro problema comum, é que a falta de árvores também diminui a biodiversidade, além de comprometer as funções estética e de lazer. Indo mais fundo ainda, diria que nestes locais, em dias de verão, é aumentada a pressão arterial das pessoas com predisposição para essas doenças.

A que pergunta que fica é: realmente o comerciante (e o cidadão) ararense age como se realmente morasse na chamada "Cidade das Árvores"? Não nos esquecamos que Araras foi a primeira cidade na América do Sul a realizar uma festa em homenagem às árvores, e considerada por publicações especializadas como o “Primeiro movimento brasileiro de tomada de consciência do problema ambiental”, e até mesmo o “Primeiro movimento ecológico brasileiro”!

Jamais nos esqueçamos que o bosque plantado por ocasião desta festa em 1902, se localizava abaixo da praça “Martinico Prado”, e em 1947, por questões imobiliárias (sempre elas!), foi colocado abaixo! Depois, em 1985, houve outra atitude semelhante: era posto abaixo o belíssimo  Horto Florestal do Loreto, um agradável recanto que, inclusive, devido a sua importância, foi citado no livro “A Onda Verde” de Monteiro Lobato em 1920, lembrando-se que seu criador – o visionário Navarro de Andrade – foi o pioneiro na introdução do eucalipto no Brasil, com a sábia intenção de preservar matas nativas e abastecer as locomotivas com lenhas de plantações desta espécie. Constituía ele um excelente recanto para amantes da natureza, ideal para piqueniques, treckers, ciclistas e os que gostavam de se enveredar e se perder por seus sossegados aceiros. A ruína começou no início da década de 80 com a contrução dos conjuntos habitacionais "Nosso Teto", enquanto canaviais das redondezas permaneciam incólumes!... Ao contrário do seu “irmão” rio-clarense, nosso horto não foi tombado, e, infelizmente, quase recebeu o golpe de misericórdia em 1997, quando novos trechos foram desflorestados para dar lugar a assentamentos!... e os canaviais observavam tudo impassíveis!...
 
Enfim, comerciantes da rua Tiradentes (e outras ruas comerciais), que tal agirmos como se realmente fossemos habitantes da Cidade das Árvores, e, portando-se como cidadãos seriamente preocupados com questões socioambientais, inverter esta crítica situação, cada qual plantando uma árvore adequada em frente ao seu estabelecimento?! Não sou pessimista, mas duvido que estas palavras surtirão algum efeito, e, assim sendo, a única saída será a própria Prefeitura tornar isso uma medida obrigatória!... Ou será que teremos de continuar a viver hipocritamente, ostentando um título "para inglês ver", esse, o da "Cidade das Árvores"?!...

INCONTESTÁVEIS MOTIVOS PARA A REARBORIZAÇÃO DA TIRADENTES!

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quarta-feira, 15 de agosto de 2012

AVE FOLCLÓRICA SE INSTALA NA PRAÇA BARÃO DE ARARAS

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Além de ornitólogo amador e pessoa de ouvido refinado, versado nas vozes da natureza, sou velho frequentador da praça Barão de Araras como observador de aves, de modo que qualquer pássaro novo que aparecer ali e cantar dificilmente escapará à minha atenção. Foi o que (novamente) aconteceu no sábado passado de manhã, dia 11.

Pois bem. Saindo de algumas compras na loja Seller, tão logo adentrei a praça, ouvi quatro assovios fortes e vibrantes, e disse para mim mesmo: “Tem ave nova na praça, e deve aquela tal ave folclórica!” Como quase sempre ando com uma máquina fotográfica à tiracolo, tentei localizar a ave no altos de um pé de Sibipiruna, mas nada de encontrá-la!... De repente, a ave parou de cantar e lamentei: “Mas onde esta bendita foi parar?!”
Parti frustrado, e quando já ia atravessando a praça do outro lado, eis que ela volta a cantar! Peguei a máquina e voltei à sua procura. Nisto, pude vê-la lá no alto das folhagens, e notei que parecia ser mesmo a ave que eu desconfiava – e vale dizer que eu já estava à espera dela na praça há tempos! Explico. Há cerca de 4 meses, estive em São Paulo, e em pleno centro da Praça da Sé, pude ver incrédulo esta avezinha cantando à pleno pulmões, isto como se estivesse à vontade em plena Serra do Mar! A tal avezinha era, nada mais nada menos, que a popular Jugovira, que quem mora na zona rural de Araras muito bem conhece, ou pelo menos a ouviu, que é ave impossível de não ser notada por seu canto. Me refiro ao Cyclarhis gujanensis, ave que por certas características suas tornou-se folclórica em todo o país. Quando fiz, em 1992 (abaixo), um levantamento das aves que frequentavam a cidade, desde a periferia até a zona central, ela ainda não era vista na praça Barão, e eis que, finalmente, exatas duas décadas depois, parece a Jugovira veio para ficar! Sorte nossa!



O que aconteceu à este pássaro, a ciência dá o nome de Sinantropia, ou seja, o fenômeno pelo qual um animal selvagem adapta-se ao meio urbano, lembrando-se que outras aves já passaram por isso, inclusive na praça Barão, como se deu em janeiro do ano passado, envolvendo o pássaro Ararapaçú-do-cerrado (Lepidocolaptes angustirostris), que já foi visto procriando nas praças centrais da cidade, inclusive, tendo ele um canto que chama muito a atenção, pois consiste de uma espécie de gargalhada descendente diferente de tudo o que e ouve na cidade. O que mais intriga neste fenômeno da sinantropia, é notar que, por algum motivo, motivo este que imagino ainda não desvendado, diversas aves invadiram as zonas urbanas de cidades muito distantes uma das outras, e isto, todas num mesmo lapso de tempo! Inclusive, aves de ambientes aquáticos, e arredias aí, passaram a ser vistas em movimentadas zonas centrais de cidades e em lugares onde nem mesmo há água our refúgio semelhante disponível!

Pouco maior que um pardal, a Jugovira é, no entanto, ave difícil de se ver, mas é facilmente reconhecível, pois tem o corpo verde-oliva claro, os olhos em tons que vão do amarelo ao vermelho, cabeça grande e bico grosso lembrando um pouco um bico de papagaio mais comprido.

Na época de reprodução, quem tem habilidades para imitar pássaros – como este que voz escreve – facilmente poderá atraí-la, ou pelo menos atrair as aves mais novas que não têm tanta malícia. Dois exemplares foram vistos – e podem ser um casal –, indício de que podem vir a procriar na praça este ano mesmo (de julho e novembro) e aumentar sua população, se espalhando assim para outras praças, como a da Biblioteca, do Tiro de Guerra e o Lago Municipal, onde, à esta altura, com certeza já frequenta. O naturalista Eurico Santos escreveu: “O casal vive numa harmonia perfeita e parece que deveras se amam muito. Quando um bárbaro caçador abate um dos consortes, o outro facilmente pode também ser sacrificado, porque não se afasta do local onde caiu o companheiro, procurando-o, chamando-o, numa evidente ansiosidade.” E é interessante observar o casal a se chamar mutuamente por horas à fio, enquanto se alimentam pelo arvoredo. Também ocorrem duelos de machos que vocalizam intensamente quando um se aproxima do território de outro. Abaixo, filagem da Jugovira num pé de Sibipiruna na praça Barão de Araras.



Existe desde o México, indo até a Argentina, onde o povo diz que ela canta: “Don Libório, Don Libório”, ou “Caballero, Caballero”, ou ainda ou ainda “Juan Chiviro”, nomes que remetem à sonoridade de seu canto, fato que também ocorre em nosso país. Constataram que a fêmea tem seu próprio canto e o macho apresenta oito cantos diferentes, por isto, a ave recebe um batismo diferente em cada região, como: “Tem-cachaça-aí” (Espírito Santo) ou “Pitiguari” (Pernambuco). O ornitólogo Dalgas Frisch escreveu que há pessoas que (pasmen) interpretam seu canto como “A chocolateira quebrou!”... O nome se refere ao antigo utensílio usado pelos tropeiros para fazer chá ou café. Outro nome, muito comum desde a Bahia, é Gente-de-fora-vem, e isto devido à uma particularidade sua, que, dizem, é a de cantar toda vez que vê um ser humano se aproximando do sítio, fazenda ou mata onde ele se encontra. A mesma reação se dá com anuns, quero-queros, pica-paus-do-campo e corujas-buraqueira, aves que tem aguçado senso de posse de território, e se mantém em contante alerta, dando alarme mal pressintam ameaça. Eurico Santos confirma o fato e diz que: “Na Paraíba do Norte crêem que, quando canta o Pitiguari, é certo que vai parecer visita ou, ao menos, uma boa notícia.” O folclorista Câmara Cascudo registrou outros nomes que remetem à mesma crença: “Olha o caminho, que vem gente” (Pernambuco), “Olha pro caminho, que já vem” (R. G. do Norte). Cascudo diz ainda que, em outros tempos, a ave avisava também de visitas sorrateiras em fazendas de homens tentando raptar donzelas!...
  
Sua fama levou a ser homenageada na música “Meu Pitiguari”, da dupla André & Mazinho, e também pelo violonista mineiro Tavinho Moura em “Gente-de-fora-vem” (da trilha sonora do filme “Noites do Sertão”). Curiosamente, “Meu Pitiguari” é o nome de uma companhia de danças de Santa Catarina, e “Gente-de-fora-vem” o de um grupo de teatro baiano.
  
Naquela vez em São Paulo, lembro-me que pensei comigo: “Mas, caramba, se a Jugovira existe no centro dessa loucura que é a paulicéia, porque não ocorre lá na calma praça Barão de Araras?! Daí, imagine-se naquele sábado a minha alegria ao encontrá-la finalmente frequentando a nossa velha praça! E, pensando bem, vai ser ótimo vê-la fixar-se ali, pois é ave que canta todos os meses do ano, tem repertório diversificado e volume muito alto de voz, tanto o é que naquele dia flagrei diversas pessoas na praça tentando ver quem fazia aquela cantoria toda. E isso enriquece muito a nossa praça: novos animais, novas vozes! Portanto, daqui para diante, se você estiver na praça Barão e gostar de observar os pássaros ali existentes, não precisará se esforçar muito para notar um canto alto e vibrante no alto das árvores, diferente de tudo que se está acostumado a ouvir pela cidade, e poderá conhecer então a lendária Jugovira, que provavelmente, ao te ver por ali, vai cantar dizendo “gente-de-fora-vem, gente-de-fora-vem!”...

Mas, enfim, é bom ver o Jugovira dividindo a cidade conosco? Sim e não. Do lado bom, desnecessário dizer. Do ruim, quase todos os seus antecedentes poéticos cairão por terra, e os seu histórico folclórico se anula na cidade: o seu canto misterioso se dilui em meio aos ruídos urbanos, e poucos ouvirão e entenderão os seus apelos “gente-de-fora-vem, gente-de-fora-vem!”, “gente-de-fora-vem, gente-de-fora-vem!”...

Jugovira, desde já, seja bem-vinda à nossa secular praça Barão de Araras, e que você procrie e cante muito aí!!!

Veja aqui outra ave folcórica que passou a frequentar a praça Barão em 2003, a belíssima Lavadeira!


PARA SABER MAIS:
Textos e fotos:
http://www.wikiaves.com.br/pitiguari
Ouça e memorize seus cantos:
http://www.xeno-canto.org/browse.php?query=cyclarhis+gujanensis

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

CONSIDERAÇÕES SOBRE O CAPUZ DO MITO SACI E O BARRETE USADO PELOS NEGROS ESCRAVOS DO BRASIL


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"Seu boné vermelho é mágico: aí reside o seu 'encanto', seu poder, sua capacidade excepcional para travessuras; apoderar-se do boné do 'capetinha' é dominá-lo. Pois bem: essa carapuça vermelha corresponde ao píleo usado, em Roma antiga, por escravos libertos, como símbolo de sua emancipação; e é irmão do barrete frígio vermelho usado pelos franceses após a queda da Bastilha, em 1879, simbolizando as recém-conquistadas liberdades democráticas. Mas o Saci não veio da Europa; deve ter surgido no Brasil (no sul-sudeste?) por volta do final do século XVIII, uma vez que não consta nenhuma citação a seu respeito, em escritos de sacerdotes, cronistas e viajantes dos dois primeiros séculos. Perece ter, na origem, alguma aproximação com o Curupira e com a ave chamada saci, também ligado às circunstâncias sociais da escravidão (como no caso do Negrinho do Pastoreio)"

Fonte: PELEGRINI FILHO, Américo. Literatura folclórica. Edit. Nova Stella - USP. São Paulo, 1986, págs. 43-44.

A pintura, de 1827, é do explorador Charles Landseer, um então jovem artista inglês em início de carreira, que foi enviado ao Brasil em 1825, integrando uma importante missão diplomática britânica. Notar o capuz vermelho do escravo junto ao pilar!

A associação da pintura ao texto do Pelegrini é minha, e quero insinuar que, realmente, a pintura pode validar a opinião do pesquisador, a de que o Saci é mito genuinamente nacional, e talvez surgido nesta mesma época!

terça-feira, 19 de junho de 2012

PRECOCES DEMONSTRAÇÕES DE UMA GRANDE AMIZADE!



O meu grande amiguinho Yan Matheus, por volta dos 2 anos de vida ou pouco mais, tinha a agradável mania de me contar tudo o que ele via ou aprendia na escola Dentinho de Leite. Todo final de tarde era a mesma coisa: mal ele me via, vinha todo feliz me falar das novidades daquele dia. Eram esses um dos momentos mais agradáveis do dia, que era um verdadeiro prazer ouvi-lo nestas horas contando todo empolgado as novidades trazidas da escolinha!

Um certo dia, estando eu, como sempre, com minha máquina fotográfica - e fotografar o Yan era a minha grande alegria -, ele fez questão de me mostrar um gesto que aprendera naquela tarde: ele pegou minha mão e me fez abaixar à altura dele. Depois, como se fosse me contar a coisa mais legal do mundo, se ajoelhou sobre uma só perna, inclinou sua cabecinha para o lado e se deixou fotografar! E eu fiquei ali, intrigado, tentando decifrar o que significava para ele aquela pose e o que ele queria me passar. Era um gesto inocente, mas incomum numa criança de sua idade, e isto mexeu comigo a tal ponto, que eu tentei, de alguma maneira, saber como ele havia aprendido aquilo, quem lhe havia ensinado, ou se ele viu alguém ajoelhar-se daquele modo, gostou da pose e o imitou, mas, por mais eu que tentasse, ele nada conseguiu me dizer. Era compreensível, pois, com a idade que tinha, o Yan ainda não sabia se expressar com clareza.

 O ajoelhar-se, desnecessário dizer, é um gesto corriqueiro entre os religiosos no mundo inteiro, mas não creio que o Yan aprendera o gesto quando, talvez, lhe ensinaram a orar na escolinha, pois não é comum neste ato alguém se ajoelhar sobre uma só perna, mas sim com as duas. E a expressão de seu rostinho não era de um tom de súplica, de alguém que, contrito, pede algo em silêncio, mas atitude de discreta alegria. Além disso, ele não juntou as mãos em prece e inclinou a cabeça para baixo, mas o fez todo satisfeito, dizendo: "Veja, tio, que legal!"

Fiquei por anos à fio com essa imagem na cabeça, sem saber o que o meu amiguinho quis me passar com esse gesto aquele dia, mas, depois que vi na TV essa mesma pose feito por um ator, é que fui me dar conta daquilo o pequeno Yan talvez houvesse visto e imitado: era um gesto teatral, o típico gesto de reverência, comum nos filmes antigos, em que um cavaleiro se ajoelha diante de um súdito, retira seu chapéu colocando-o no peito, e o reverencia. Muito provavelmente, o Yan deve ter visto um vídeo ou uma encenação teatral na escolinha e achou interessante o gesto de agachar-se sobre uma só perna.


No começo deste ano, um jogador da NFL, a liga profissional de futebol americano, o quarterback Tim Tebow foi considerado a grande sensação da temporada por seu gesto de ajoelhar-se desse mesmo modo após cada jogo, embora o fizesse como se estivesse orando. O ato virou mania nos meios esportivos e, desde então, tem sido repetido em diferentes circunstâncias. E o ibope foi tanto que surgiu um blog no portal Tumblr, o Tebowing, que coleciona imagens feitas pelos internautas. Em menos de uma semana, após o gesto de Tim na quadra de esportes, o site tinha recebido mais de 120 mil vistas. Surpreendentemente, o "tebowing", como passou a ser chamado seu gesto, tem influenciado religiosos e ateus no mundo inteiro, e já foi um dos assuntos mais populares no twitter dos EUA na ocasião.

Quanto ao gesto do pequeno Yan, vou atravessar a existência com essa doce imagem gravada em meu coração, mesmo sem saber ao certo o que aquilo significou para ele e o que ele queria me passar. Para mim, mesmo sem saber do que se tratava realmente, o gesto significou muito, e eu já vou dizer o porquê. Obviamente, não era uma repetição do tebowing, embora o Yan saíra da escola aquele dia com uma satisfação igual à de um jogador que vencera uma grande partida; aliás, o tebowing aconteceu anos depois de o Yan me mostrar esse gesto. Tampouco, repito, se tratava do tradicional gesto religioso. Vale dizer que, hoje, embora há tempos eu não o veja, eu considero o Yan o meu melhor amigo, e desconfio que a recíproca é verdadeira. Nem quero comentar da imensa saudade que sinto dele, de sua companhia cativante. Enfim, como se diz, sonhar não custa nada, e, às vezes, eu me ponho a imaginar que se aquele dia o Yan, estando com seu bonezinho na cabeça (que ele aprendeu a usar comigo), que lindo seria ele me mostrando esse gesto secular, se ajoelhando diante de mim e levando o boné ao peito, reverenciando aquele que talvez seja o seu melhor amigo, e que tanto gostava de brincar com ele e fotografá-lo em todas as ocasiões!...
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terça-feira, 19 de julho de 2011

TOM JOBIM E A FÓRMULA DE SUA MÚSICA: MULHER + NATUREZA...

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Existiam duas coisas na vida do telúrico e inspirado mestre Tom Jobim que se tornaram os ingredientes principais de sua música: a natureza e a mulher brasileira.
As frases abaixo, foram compiladas por mim, extraídas de meu arquivo particular, com centenas matérias e reportagens que venho colecionando ao longo dos anos sobre o Tom. Nelas, podemos nos certificar do que mdigo, bem como notar o seu indefectível bom humor, além da grande falta que ele nos faz.
Em se falando de música, poucas inteligências e talentos criativos puderam ombrear à altura com ele neste país, terra ingrata em que alguns críticos insensatos o trataram de maneira injusta e impiedosa.
Para os que não sabem, Tom Jobim começou a gostar de natureza a partir de férias passadas nas cidades paulistas de Rio Claro e Guaratinguetá, e finalmente no Rio de Janeiro, mais especificamemente numa casa no Jardim Botânico. Sobre os recantos naturais que edificaram o sensível amante da natureza, ele lamentou: "Os lugares em que me inspirei estão sendo destruídos sistematicamente por essa raiva que o homem tem do planeta."
Aqui, suas frases e pensamentos:

"Quando uma árvore é cortada ela renasce em outro lugar. Quando eu morrer quero ir para esse lugar, onde as árvores vivem em paz."

“Eu tava no interior do Estado do Rio, lugar de mato, beira de rio... ‘mato’, maneira de dizer, porque mato no Brasil hoje tá difícil. Quase todo brasileiro tem uma caixa de fósforo, né... A gente devia ter licença pra porte de caixa de fósforo. Se parar de chover três dias, um fósforo pode matar muito mais que uma arma. Um tiro pode matar no máximo uma árvore. Sabe que tiro mata árvore também? Se pegar na medula, no cerne. Pergunta no interior que vão confirmar isso. Pois é, mas um fósforo pode matar uma floresta inteira.”

"Cada mulher que não tenho é uma música que eu faço."

"Te espero no chão macio da floresta, com amor, com carinho, com floresta e passarinho."

"Não vejo esperança nem para o bicho e nem para as plantas."

"Estou pensando muito em bicho, porque estou achando o homem uma bobagem, uma chatice."

"Toda a minha obra é inspirada na Mata Atlântica."

"Tenho falado de serra, mato e passarinho. Mas o brasileiro se interessa só por carro e apartamento."

"Sem mato, ar e bicho não há música."

"Outro dia fui no mato piar inhambu e o que saiu detrás da moita foi um Volkswagen."

"O paraíso terrestre fica no Brasil."

"E o amor pela natureza se confunde com o amor pela mulher."

"Digo que minha música vem da natureza, agora mais do que nunca. Amo as árvores, as pedras, os passarinhos. Acho medonho que a gente esteja contribuindo para destruir as coisas." (Gente de Sucesso. A vida de Tom Jobim. Editora Rio Cultura, 1982)



BIBLIOGRAFIA: consultar o autor
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quinta-feira, 14 de julho de 2011

TONICO RIGUIDÃO, O MAIS ESPERTO DOS TIPOS POPULARES DA ARARAS ANTIGA *

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“Conta-se que numa cidade do interior um grupo de pessoas se divertia com o idiota da aldeia, um pobre coitado, de pouca inteligência que vivia de pequenos bicos e esmolas.
Diariamente eles chamavam o idiota ao bar onde se reuniam e ofereciam a ele a escolha entre duas moedas: uma grande de 400 réis e outra menor, de 2.000 réis.
Ele sempre escolhia a maior e menos valiosa, o que era motivo de risos para todos.
Certo dia, um dos membros do grupo chamou-o e lhe perguntou se ainda não havia percebido que a moeda maior valia menos.
Eu sei - respondeu o tolo assim: – Ela vale cinco vezes menos, mas no dia que eu escolher a outra, a brincadeira acaba e não vou mais ganhar minha moeda.

A história acima é antiga, e não se sabe quem é seu autor. Porém, quem foi contemporâneo do tipo popular ararense conhecido como Tonico Riguidão, que vivera em meados do século passado, poderia ao lê-la pensar que se tratasse de mais uma das cômicas histórias que ele estrelara. 

Este curioso sujeito, assim como o Preto Salomé, também costumava carregar um porrete de madeira consigo, mas, ao contrário deste, usava-o como um instrumento musical - para ser mais preciso, como um violão!... Nisto, lembrava o tipo popular Adão Soares citado no livro História de Uberaba (1974) de José Mendonça, que possuía instrumento igual e de igual finalidade. Na ilustração, o Tonico Riguidão em pintura de Juca Quintaes, ano 1972.

Era comum vê-lo encostado num poste de uma esquina qualquer, com seu instrumento nas mãos do qual nunca se separava. E ali, entretido consigo mesmo, dedilhava maquinalmente as cordas imaginárias de seu rústico instrumento. O escritor Emílio Wolff, que teve a oportunidade de presenciá-lo numa destas horas, escreveu: “(...) na posição de viola, como quem afina: Dim, dliii, dliii, para depois fingir que toca e canta: Reguidão, dão, dão...”. Era um tipo louco, mas não louco à ponto de não saber o que fazia – o Tonico Riguidão era espertíssimo, como se verá.

 Era um tipo louco, mas não louco à ponto de não saber o que fazia — o Tonico Riguidão era espertíssimo, como se verá. Chapéu velho quebrado à esquerda, rosto vincado pelos anos, os olhos empapuçados, bigode e cavanhaque à moda caipira, lábios porém com inapagável expressão irônica, jamais era encontrado sem seu estimado “violão”. Sua voz estranha, deturpada pela vida incerta que levava, era coro dissonante em meio as famosos seresteiros que alegravam as ruas daquele tempo. Não precisava ser instado para cantar, pois cantava sem qualquer cerimônia – seja para afugentar alguma tristeza, seja para festejar a alegria em que se encontrava. Na verdade, tudo era motivo para cantorias para o Tonico Riguidão, e o dedilhar vago e abstrato de seu cajado era o que tudo o que lhe bastava para se realizar em seus anseios boêmios, ainda que cantarolasse sozinho.

Cardoso Silva, que também o conheceu, traçou umas rápidas linhas, destacando as proezas burlescas do esperto “malandro”:

“(..) era malandro. Nunca mais tive noticias dele. Tapeava meio mundo pra conseguir prato de comida e dinheiro pra cachaça. Era andarilho. Amanhecia em Leme e entardecia em Araras. Não era bem negro. Creio que de tanto sol que tomara, ficou vermelho. Um vermelho indígena. O apelido era uma delícia: ‘Tonico Riguidão’. Por quê? Tinha a mania de estender aos braços o cajado tosco, a imitar um violão, e, cantarolava, gesticulando com as mãos como se executasse o instrumento-alma do Brasil, a fazer: ‘Riguidão’, dão, dão... Riguidão, dão, dão!’ Tonico Riguidão’ tinha o delírio episódico das distâncias. Era uma espécie de embaixador de todas as caravanas possíveis. Como andava! Pra mim, há-de continuar andando por esse vasta mundo sem termo!”

Como numa versão humana da cigarra - a da parábola da cigarra e a formiga -, mas uma cigarra mais esperta, diziam que o homem não gostava de trabalhar, mas tão somente em levar vida de andarilho e cantar e dedilhar em seu tôsco instrumento, e era justamente nisto que residia a sua esperteza. No desenho ao lado, de autoria do Emílio Wolff, o Tonico com seu inseparável “violão”.

Já à primeira vista, lia-se na sua fisionomia o passaporte de andarilho, o selo de forasteiro que não para em lugar algum, os caçados surrados e a pele cozida de muitas insolações. Todos sabiam das suas condenáveis manias de enganar as pessoas, mas perdoavam-no uma vez que os meios que usava para conseguir o que queria sempre acabavam despertando o riso de todos. E assim vivia, seja pedindo um prato de comida aqui, seja implorando um trago de pinga ali, ou mesmo se oferecendo para um serviço braçal numa casa qualquer - era quando as pessoas começavam a desconfiar que ele estava prestes a aprontar alguma, afinal, o homem não era mesmo chegado num batente!... Não há registros de que freqüentasse ambientes baixos e era amigos de pagodes e serestas, mesmo porque não tocava instrumento algum. 

Além de dedilhar em seu porrete, gostava também de imitar trens fazendo manobras, manobras estas que passaram a ser sua marca registrada. Nestas horas, chamava deveras a atenção de quem quer que fosse ? paravam para ver; riam; apupavam; descriam; meneavam a cabeça em desaprovação... Entretido consigo mesmo, fazia todos os ruídos e papéis possíveis dos envolvidos com o cotidiano ferroviário: o chefe do trem, o foguista, o maquinista, o guarda freios etc. E lá ia ele em seu particular espetáculo: corria, diminuía a marcha, avançava um pouco, aumentava o ritmo, armava os braços e antebraços em cotovelo angulado, e movia-os girando para frente e para trás como as alavancas que impulsionam as rodas das locomotivas. Ao mesmo tempo, toda aquela “sonoplastia” de alguém que só pode ter ficado observando e mentalizando por horas a fio as manobras dos trens...  E a boca imitando os sons correspondentes de partida, o apito do chefe do trem, o resfolegar, o chiar entre lábios das descargas de vapor; freava... tchi-tchi, tchi-tchiii..., e em seguida crack da batida dos vagões engatados por ocasião da frenagem... E o show devia continuar... o ato de jogar a lenha na fornalha; puxava a corda do apito e novamente apitava, outra partida, tocava a máquina para a frente à toda brida, levantava o braço; mãos em punho puxava as alavancas... Tudo isto acompanhando os gestos e mais gestos e o escambau! Partia enfim, avançava e se ia, às vezes em ritmo frenético como um trem descendo serra; depois, a subida, o resfolegar lento... O ápice das manobras era quando o trem virava numa curva, uma surpresa... 

Contemporâneos seus ainda vivos (2013), mantém-se fiéis à tradição, não ocorrendo a menor discrepância entre seus relatos à respeito destas suas curiosas características. Os episódios que se narram sobre as coisas que aprontou não divergem absolutamente da personalidade que ele ostentava — armava peças dignas de um grande comediante. Por outro lado, algumas pessoas consultadas que o conheceram, e até viram cumprindo sua sina de desajustado, nada acrescentaram. 

Mas acontece que o Tonico se viu envolvido em diversos causos engraçados na cidade, e chegou mesmo a armar situações dignas de um grande comediante, e nunca será demais relembrar uma delas, história clássica, recolhida pelo Emilio Wolff, que, por sinal, nada fica a dever à história da introdução deste capítulo, a do idiota esperto e as moedas:

“Certa ocasião, passando em frente da casa do Juiz de Direito, viu descarregarem a lenha de um carroção.
Aproximou-se e disse ao Juiz:
– Dotô, qué que eu recolho a lenha?
– Pois não, respondeu o Juiz.
– Mais, Dotô, eu ainda não comi e estou com fome. Saco vazio não para em pé.
O Juiz mandou-o entrar e dar comida.
Tonico saiu para rua, viu o montão de lenha e foi logo dizendo:
– Seu Dotô... Saco vazio não pára em pé, mas saco cheio não dobra. Dotô, enquanto o estango fais digestão, vô mostrá como o trem fais manobra.
– Como? perguntou o Juiz.
– Olha Dotô. É assim. E imitou um apito prolongado, movimentou o braço como pistão de máquina a soltar vapor por todos os lados, andou para frente e para trás diversas vezes, imitou manobra. E depois disse: Olha, Dotô, agora ele vai virar na curva. Dobrou a esquina e até hoje não apareceu para recolher a lenha.”

À esta altura, fica claro que o fato de agir assim, ludibriando inocentemente as pessoas, era uma estratégia sabiamente utilizada para obter dividendos. Uma coisa é certa: o Tonico Riguidão podia ser louco, mas de esperteza, ah, disso ele não carecia não!...

Como sói à estes tipos, ninguém sabia seu nome de batismo, de que família era e de onde era natural. Também nada se escreveu sobre o destino que teve, assim como nada se revelou sobre o que empreendera nas terras remotas - quiçá do vício e da perdição -, por onde errara em seus enigmáticos sumiços. Sim, é provável que se perdera mesmo, devido a essa vida errante de que falara Cardoso Silva, e, assim, a esperta cigarra humana se fora “andando por esse vasto mundo sem termo”, partindo em seu trem particular... e sumindo para nunca mais voltar ...


* Capítulo de um livro meu em andamento, "Tipos populares de rua da Araras antiga", onde disseco 36 tipos que viveram no século 20.

BIBLIOGRAFIA: 4 fontes. Consultar autor.

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